terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

O Carnaval Volta ao Chão


(Eu sou o Carnaval em cada esquinha...) - Sempre levo um pouco da Bahia dentro de mim. As expressões, as manias, os costumes, a cultura. Mas fevereiro me traz a essência pulsando de forma incontrolável.

Não. Não estarei na folia baiana após a avassaladora pandemia.

Não, não estarei seguindo o Carnaval que, em tese, vai exaltar um dos seus maiores (quiçá o maior dos) ícones, Moraes Moreira.

Infelizmente não posso ir esse ano. E sofro muito com isso...

 

Já destrinchei aqui diversos elementos que me mostraram o quanto a evolução comercial do Carnaval da Bahia tirou parte da sua essência. É claro, pra qualquer um, que não há renovação substancial de elementos afro-baianos e que o evento “Carnaval” se tornou uma miscelânea de microeventos dentro de um feriado prolongado.

Camarote sertanejo, por exemplo, não é Carnaval. Camarote tecno-eletrônico também não é. Eles usam a estrutura, a grife e o selo “carnaval da Bahia” para angariar vendas extremamente vultosas e juntar endinheirados que, muitas vezes, não sabem o que é um agogô.

Quando estes elementos musicais ganham as ruas, no entanto, a coisa muda de figura. A festa momesca baiana não é pautada apenas no seu ritmo raiz, na sua essência melódica. Ela é composta, também, do aspecto anímico da multidão, de preenchimento de espaços públicos, da magia que o palco ambulante chamado “trio elétrico” impõe.

Isso é tão flagrante que, quando um sertanejo sobe no caminhão andante e inicia sua apresentação, não o faz na mesma “pegada”. Quando um DJ tem que conduzir um séquito ao chão, seu setlist sofre severas adaptações. Nesse momento consigo admitir que a fusão é possível, e sempre será. A conexão de um elemento artístico alienígena que, ao ser cravado na estética do solo sagrado da profana festa atinge contornos carnavalescos.

Mas é tempo de louvar a força impositiva da cultura que em contraponto ao financeiro, mostra que há uma pedra fundamental que tentaram enterrar, mas, insistentemente, empurra toda a superfície midiática e destrói cenários artificiais.

O pagode dos guetos soteropolitanos, o protesto inquietante da Baiana System, a pujança dos movimentos rítmicos timbaleiros e afros nunca perderam seu espaço. Ainda que, muitas vezes relegados pela mídia mais agressiva, sempre arrastaram multidões. Saulo Fernandes consegue manter a tênue percepção de que o axé music dos anos 90 consegue atualizar-se na linguagem e na forma. E ainda mais...

Elementos tipicamente pueris, típicos do mais puro Carnaval de ruam ressurgem de forma que emociona. Os Palhaços do Rio Vermelho, o Furdunço, o Fuzuê, o Gravata Doida, nos fazem olhar para trás e entender que a essência de todo o elemento subjetivo chamado Carnaval não consegue ser engolido pela força daquilo que nos querem impor.

A guitarra baiana, o frevo, os instrumentos de sopro em conjunto com a percussão símbolo da batida baiana conseguem trazer às ruas o verdadeiro folião. Ressalte-se o papel fundamental que “Os Mascarados” tiveram nesses anos sombrios onde se chegou a acreditar que a essência momesca baiana havia solapado.

O que era retrô vira cult. A valorização do passado preenche espaços, enchendo de alegria as ruas e becos da velha Salvador. Armandinho e o Trio Elétrico Dodô e Osmar, Luiz Caldas, Márcia Freire, É o Tchan e tantos outros expoentes da época áurea dos melhores carnavais tomam o vácuo das ruas, silenciadas por um público etéreo, que não abre mão do salto alto e do ar condicionado.

O Carnaval volta ao chão, ao asfalto, à fantasia, abrindo espaço para o lúdico, ao improviso, ao sorriso de êxtase de folião que não quer um blockbuster. Quer apenas brincar, dançar, carnavalizar.

Momo, me espere em 2024. Seu filho não fugirá à próxima luta (de confete e serpentina).