(Goiânia – Só deixo o meu Cariri,
no último pau de arara) – Quando em 1956, os cearenses Venâncio e Corumbá, em
parceria com o poeta paraibano José Guimarães gravaram o clássico “O Último Pau
da Arara, marcaram de forma indelével a história da música popular brasileira.
Talvez nenhuma outra letra
consiga expressar com um grau de profundidade tamanho o sofrimento de um
nordestino que se afasta do seu berço natal, sua fonte sagrada.
“Enquanto a minha vaquinha, tiver
o couro e o osso... e puder com um chocalho, pendurado no pescoço..... eu vou
ficando aqui..... que Deus do céu me ajude..... quem foge à terra natal, em
outros cantos não pára.... só deixo o meu Cariri.... no último pau de arara”
Recentemente deixei meu “Cariri”,
meu berço, com suas mazelas e encantos, que somente os filhos mais apaixonados
conseguem enxergar, aceitar, absorver e amar.
Fui, pois o meu “pau de arara”
partia, num momento de incertezas tamanhas, onde ficar não era opção, era
abandonar toda e qualquer possibilidade de um futuro de paz, harmonia e
alternativas para o núcleo familiar que amo e concebi.
Fui de bom grado e com a certeza
de que era a opção certa, e sou muito grato ao Destino por tudo que tem me
proporcionado desde então: pessoas maravilhosas, oportunidades novas, novos
cenários, gostos, climas, paisagens, sons. Novos sorrisos e projetos. Algo mais
sereno e viável no meio de um cenário de profundas incertezas que permeia a
nossa atual realidade.
Mas o banzo, não dito, não
cantado, não poetizado pelos ilustres cantantes nordestinos acima descritos
permanece, dói e aperta o coração de uma essência de baianidade que não se
descreve, apenas se sente.
Mas, o que é banzo? Banzo pode
ser descrito como o sentimento de saudade.... mas não da saudade que te deixa
com um sorriso no rosto, fruto de uma lembrança remota e adoravelmente saudosa.
O banzo envereda-se pela melancolia, aprofunda-se na depressão, e origina-se no
sentimento dos negros que, extirpados da sua terra natal, nutriam profunda
saudade da sua matriz africana.
Nasci e cresci em Salvador, num
bairro tipicamente baiano, onde história e cultura caminhavam de forma
intrínseca. Vivi sons, aromas e sabores de uma Salvador básica, poética,
caricata e musical.
Carnaval, São João, becos,
vielas, cidade alta e baixa, igrejas, rua do Tira-Chapéu, sorvete na Ribeira....
agogôs, orixás, capoeira, trio elétrico, abará, Moraes Moreira,
mamãe-sacode..... Tiete Vips, Caminho de Areia, cacetes armados, “porra
nenhuma”, amendoim cozido, lenhado, pãozinho delícia....
Meu vocabulário..... minha
referência...
Não é fácil. Dói muito. Mas
enfrento tudo isso com o mesmo sorriso no rosto. Não há remédio melhor para o
banzo que a injeção da alegria com a qual devemos regar cada broto do nosso
dia. Nunca soube ser diferente, e não hei de ser.
Meu Goiás amado, nunca lhe serei
descortês. Abriste os braços e me recebeste sem máculas, ressalvas ou senões.
Mas a identidade que me define
prescinde beber da fonte, pois a zorra da
saudade é retada, viu meu rei?
Nota: A crônica de hoje é uma síntese
de que a força que me faz sorrir sempre que deriva de um misto de certezas...
A certeza dos ensinamentos da
sábia Ana Rita, minha mãe, que diante de tantos revezes consecutivos na vida
sempre encontrou o caminho da reconstrução com uma altivez e jovialidade
raramente existentes.
A certeza da lição de um sujeito
que sabia encantar, agregar e fazer sorrir.... o saudoso Luiz Gagliano, meu
pai, que uniu tantos corações com o calor de um sorriso.
A certeza do apoio da minha
maravilhosa esposa, amiga e companheira de todas as horas, minha amada Bruna que, em
conjunto com esses pequenos levados fazem-me ter a certeza de que sem eles só
haveria vazio.
A certeza do carinho e da ternura
do pequeno grande Mateus que, ainda que distante, preenche meu peito com a paz
e o orgulho de ter a certeza de que plantei uma semente que hoje frutificou
brilhantemente.