sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Em que momento o Chiclete se perdeu?

Formação atual da banda Chiclete com Banana
(SALVADOR - Me dá um beijo de açúcar, maluca...) Olha, vou dizer uma coisa... Não sou o maior fã no sentido de conhecer os detalhes da Banda Chiclete com Banana e, se alguém entender que o que estou dizendo é uma inverdade, por favor me corrija mas, uma vez que conheci a fase áurea desta banda nos idos de 80 e início dos anos 90, me atrevo a levantar algumas ponderações sobre este ícone da música baiana.

Capa do LP "Sementes",
ainda com a participação de Missinho
Em determinado momento da década de 80, a Banda Chiclete com Banana se consolidava como uma grande força musical na Bahia. Mas deixe-se registrado que isto nada representa aquilo que hoje entendemos por "grande força".



Primeiro, que a música feita na Bahia era totalmente desconhecida para o resto do Brasil. O Carnaval baiano era uma absoluta excentricidade pouco difundida nas esferas globais de comunicação. Segundo, que mesmo no próprio estado da Bahia a mídia televisiva e, principalmente, radiofônica, dava pouquíssimo espaço à produção cultural local. Quem viveu nas bandas de cá pode confirmar que 50% das rádios sintonizadas nesta capital soteropolitana apresentava, apenas, música estrangeira.


Minto... na verdade eram músicas em inglês, sendo 90% provindas das terras do Tio Sam. Michael Jackson, Queen, Lionel Ritchie, Madonna, Tracy Chapman, eram figurinhas carimbadas na programação diária das nossas rádios.


Outros 30% das rádios davam ênfase a MPB, de modo que se ouvia muita bossa nova, pop rock nacional, baladas, brega, forró (apenas em junho) e os sobreviventes da (não tão) Jovem Guarda, especialmente o Roberto Carlos. Músicas latinas eram exceção, onde me lembro apenas dos Menudos e do Julio Iglesias, sendo que ambos também gravavam em português.


Música da Bahia era artigo raro, restrito a poucas rádios e, muitas vezes, direcionada a um momento que intermediava o Reveillón e prosseguia, apenas, até o raiar da Quarta-Feira de Cinzas.


Capa do LP
"Sotaque Brasileiro", de Sarajane
Entretanto, neste mercado restrito, alguns artistas resistiam e conseguiam sustentar a sua carreira e o seu status. Cito, por exemplo, o próprio Chiclete com Banana, o Luiz Caldas, a Sarajane e o Cid Guerreiro. Ainda neste diapasão, havia as bandas Mel, Cheiro de Amor e Beijo. Na linguagem atual, poderíamos dizer que estes cantores, ou bandas, seriam auto-sustentáveis pois, apesar de atuar num mercado relativamente pequeno, conseguiam sobreviver através de um segmento onde pouquíssimos o conseguiam, qual seja, a música.



Neste contexto, o Chiclete com Banana apresentava grande peculiaridade. Esta banda era á única com fãs ferrenhos, seguidores e apaixonados. Eram os "tietes do Chiclete", tão exaltados em diversas músicas da banda. O que isto significava? Que o lançamento de um LP da banda já apresentava, de imediato, uma tiragem suficiente para retornar o parco investimento realizado e garantir a sobrevivência do grupo.




Grupo este de característica interessante. Não se tratava de uma reunião de amigos como ocorre usualmente na formação de conjuntos musicais. Essa reunião anárquica que facilmente une os músicos é a mesma causa que os desune, via de regra. Mas a banda Chiclete com Banana sempre foi em empreendimento capitaneado pelos irmãos Marques (Bell e Wadinho), sendo os demais membros os "funcionários" deste negócio. Ora, evidentemente o sucesso da empreitada refletiria imediatamente no bolso de todos e, por conseguinte, foi este o grande segredo da pouquíssima alteração dos seus integrantes ao longo de quase 30 anos.

Capa do LP "Magia", de Luiz Caldas
Ocorre que é difícil você ser o protagonista e ter resultado de coadjuvante. O vocalista e compositor da maioria das canções, Missinho, espelhava a identidade da banda e, por não aceitar o papel secundário, pulou do barco e partiu para a carreira solo, que não decolou. Neste momento, acreditou-se que a banda iria degringolar, fato que, com muita habilidade na gestão do empreendimento Chiclete com Banana, os irmãos Marques driblaram com maestria e, através de um trabalho fantástico, reverteram o "viés de baixa" e alavancaram o nome da banda num momento em que o Brasil começava a enxergar a música da Bahia, pelos pés descalços do fricote de Luiz Caldas no Cassino do Chacrinha.

Coadjuvante neste processo de projeção nacional, o Chiclete alçou vôos maiores. E, a despeito do amadorismo empreendedor dos seus afins (Luiz Caldas e Sarajane, principalmente), tratou esta oportunidade com um profissionalismo brilhante, iniciando através da parceria com o Bloco Camaleão, de Joaquim Nery. Findava a relação dicotômica Banda versus Bloco e o Chiclete com Banana passava a ter vez e voz sendo, inclusive, dono do trio elétrico utilizado pelo Camaleão.

Logomarca do "Nana Banana"
Com habilidade ímpar, zelosa negociação e respeito aos compromissos firmados, os irmãos Marques conseguiram disseminar a sua marca por todo o Brasil, levando a sua grife para diversos outros estados e emplacando o blockbuster Nana Banana. Os donos do empreendimento se transformaram em milionários do business Carnaval e os seus empregados seguiram o mesmo caminho, sendo remunerados de maneira compatível.




Bell recebe R$ 2 milhões da Gillette,
para raspar barba e bigode

O problema surge exatamente neste momento, onde a ilusão da unanimidade cega a crítica cultural. Nesta sanha empreendedora o Chiclete com Banana deixou a atividade criativa de lado e passou a se comportar como uma máquina de fazer dinheiro, perdendo a sua identidade, a essência que marcou a sua origem e ascensão na música baiana.
Onde existia música baiana entrou o Axé Music, onde havia o Tiete entrou o Chicleteiro, onde havia uma leve careca entrou uma bandana, onde havia uma banda restou, apenas e tão somente, uma empresa.

Cacik Jonne
E, como diz o ditado, "empresa não tem coração". E este coração inexistente fincou de maneira mortal os mais fiéis seguidores da banda, ao tratar o Cacique João (ou Cacik Jonne, como queiram) a uma posição de reles empregado, de elemento descartável. Acometido de uma doença degenerativa, esperava-se uma postura minimamente humana em contrapartida a um profissional que ajudou a banda a se firmar no cenário nacional. Não foi o que ocorreu, de modo que o seu ora guitarrista, ora baixista, foi jogado pra escanteio, a mercê da degeneração física que a sua patologia lhe impõs. E as catacumbas da Justiça do Trabalho poderão, um dia, retribuir em pecúnia parte da importância do trabalho do cacique. Infelizmente, acredito que o mesmo não verá, em vida, este resultado.

E este degenerar, indiretamente, afetou o aspecto criativo-cultural da banda. Não há mais a poesia de uma Selva Branca, o romantismo do Te Amo Tiete ou a magia do Beijo Cigano.

Hoje temos o reflexo da pobreza do "Ú tá-tá ú-tu-tá-rá-rá / No balanço do chiclete / Chicleteiro vai cantar" ou do " Chi cle te / Oba oba / Chi cle te / Oba oba".

Isso, com certeza, não é merengue, não é lambada, nem é Chiclete com Banana.


P.S. Esqueci, mas gostaria de mencionar algo importante. O Chiclete com Banana, antes de ser essa holding que hoje vemos, já foi uma empreitada que colocou o coração à frente do negócio. Prova disto foi a elaboração de uma faixa nada comercial no LP Sementes, chamada "Lili, o piloto da Alegria", uma singela e belíssima homenagem a Seu Lili, o motorista que conduzia o trio guiado pela Banda.


2 comentários:

Léo Mendes disse...

Fabinho, que lucidez a sua. Parabéns. Vou compartilhar esse texto com uns amigos, antes tietes do Chiclete e que se recusam esposar o rótulo de chicleteiros, justamente porque, como você bem relembrou, "empresa não tem coração".E o coração deles, esses meus amigos, e os nossos (eu e você) ainda pulsa, não só por dinheiro, mas por algo que é invisível, indizível em palavras, mas que é real e sem o qual não existe o carnaval( a rima é proposital rsrsrsrrs).

Fábio Iglesias Gagliano disse...

Léo, é um enorme prazer tê-lo como leitor deste blog. Um grande abraço de seu amigo, ora tiete, nunca chicleteiro.